terça-feira, 8 de abril de 2014

 luiz otávio andrade,


João Guimarães Rosa nasceu em Cordisburgo (MG) em 1908. Formado em Medicina, exerceu a profissão até 1934, quando ingressou na carreira diplomática, tendo servido na Alemanha, Colômbia e França.

Sua primeira obra foi Magma, um livro de poemas, com o qual obteve um prêmio da Academia. O livro ficaria inédito. Estreou para o público, de fato, em 1946 com um livro de contos que se tornaria um marco em nossa literatura: Sagarana. Mas sua consagração definitiva viria dez anos depois, com o romance Grande sertão: veredas. Eleito para a Academia Brasileira de Letras em 1963, só tomaria posse em 1967, morrendo três dias depois. No seu discurso de posse, em algumas passagens o escritor parece antecipar o fato. Os últimos parágrafos de seu discurso têm como assunto a morte. "A gente morre é para provar que viveu. (...) As pessoas não morrem, ficam encantadas." Mas a palavra derradeira desse discurso foi o nome de sua cidade natal: Cordisburgo.
João Guimarães Rosa
O ambiente rural vem, há muito tempo, fornecendo material para nossa literatura. No Romantismo, Alencar, Taunay e Bernardo Guimarães produziram narrativas em que o homem e o espaço sertanejos são idealizados, em oposição ao homem da corte. Durante o Realismo/Naturalismo, Domingos Olímpio e Manuel de Oliveira Paiva debruçaram-se sobre o sertão, agora para revelar aspectos ignorados pelos românticos. No Pré-Modernismo, a realidade rural transformou-se em matéria literária para Euclides da Cunha, Monteiro Lobato e Simões Lopes Neto. A década de 1930 marca o surgimento do romance do Nordeste, com Graciliano Ramos e Rachel de Queiroz, entre outros. Guimarães Rosa retoma a temática e a modifica radicalmente. E quais são essas modificações radicais?
Os demais regionalistas incorporavam termos regionais ao texto literário. Guimarães Rosa recria a linguagem regional de forma extremamente elaborada. Baseando-se na linguagem da região em que "ocorrem" as histórias narradas, o autor cria palavras novas, recupera o significado de outras, empresta termos de línguas estrangeiras, estabelece relações sintáticas surpreendentes.
Na obra de Guimarães Rosa, o sertão não vai se limitar ao espaço geográfico, mas simboliza o próprio universo. Como afirma Riobaldo, personagem de Grande sertão: veredas: "O senhor tolere, isto é o sertão. Uns querem que não seja: que situado sertão é por os campos-gerais a fora a dentro, eles dizem (...) O sertão está em toda a parte."
O sertão criado por Guimarães Rosa é uma realidade geográfica, social, política, mas também é uma realidade psicológica e metafísica. Nesse espaço (sertão-mundo), o sertanejo não é apenas o homem de uma região e de uma época específicas, mas homem universal defrontando-se com problemas eternos: o bem e o mal; o amor; a violência; a existência ou não de Deus e do Diabo etc. Daí classificar-se seu regionalismo como regionalismo universalista.
Quanto ao processo narrativo, geralmente suas histórias (ou estórias, como queria Rosa) concentram-se em torno de "casos" que sustentam os enredos. Grande sertão: veredas provocou impacto sem precedentes em nossa literatura. Quando foi lançada a obra, percebeu-se que estava ali algo diferente de tudo o que até então se fizera em nossa literatura. Guimarães Rosa tinha levado a efeito a mais radical experimentação lingüistica pela qual passara o romance brasileiro. Como um imenso caleidoscópio constituído de casos, histórias curtas, páginas de diário, anedotas, a obra sustenta-se numa narrativa relativamente fácil que pode ser assim resumida:
Riobaldo, agora já velho e fazendeiro na região do rio São Francisco, relata, sem obedecer à ordem cronológica, a uma personagem não identificada, sua trajetória de jagunço no norte de Minas e sul da Bahia; trajetória repleta de aventuras, que culminou com a obtenção do posto de chefe do bando. Conquistada essa situação, Riobaldo define sua mais importante empreitada: destruir Hermógenes - o líder do bando inimigo -, responsável pelo assassinato de Joca Ramiro, ex-chefe dos jagunços e, como se saberá no final, pai de Reinaldo/Diadorim. Para alcançar seu intento, Riobaldo teria feito um pacto com o Diabo, a quem tinha oferecido a alma em troca do sucesso na travessia do Liso do Sussuarão - região que não concedia passagem a gente viva -, e que teria de ser cruzada para o confronto com o adversário.
Alguns estudiosos vêem semelhança entre essa obra e uma novela de cavalaria. A travessia, palavra-chave em Grande sertão: veredas, representa o obstáculo a ser superado pelo "cavaleiro" (jagunço) e que dará sentido à sua existência. Paralelamente a essas aventuras e indagações metafísicas, tem lugar a forte atração (correspondida) que o narrador-personagem começa a sentir por Reinaldo, um dos jagunços do grupo, que Riobaldo trata de Diadorim. Naquele universo, uma atração dessa ordem fatalmente despertaria enormes conflitos em Riobaldo. Efetuada a travessia do Liso, ocorreu o combate em que o grupo de Riobaldo venceu o bando inimigo. Sucedeu também a morte de Reinaldo/Diadorim e, em seguida, a chocante cena em que Riobaldo assiste à preparação do corpo de Diadorim para o enterramento.


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