luiz otávio andrade,
João Guimarães Rosa nasceu em Cordisburgo (MG) em 1908. Formado em Medicina, exerceu a profissão até 1934, quando ingressou na carreira diplomática, tendo servido na Alemanha, Colômbia e França.
João Guimarães Rosa nasceu em Cordisburgo (MG) em 1908. Formado em Medicina, exerceu a profissão até 1934, quando ingressou na carreira diplomática, tendo servido na Alemanha, Colômbia e França.
Sua primeira obra foi Magma, um livro de
poemas, com o qual obteve um prêmio da Academia. O livro ficaria inédito. Estreou para o
público, de fato, em 1946 com um livro de contos que se tornaria um marco em nossa
literatura: Sagarana. Mas sua consagração definitiva viria dez anos depois, com o
romance Grande sertão: veredas. Eleito para a Academia Brasileira de Letras em 1963, só
tomaria posse em 1967, morrendo três dias depois. No seu discurso de posse, em algumas
passagens o escritor parece antecipar o fato. Os últimos parágrafos de seu discurso têm
como assunto a morte. "A gente morre é para provar que viveu. (...) As pessoas não
morrem, ficam encantadas." Mas a palavra derradeira desse discurso foi o nome de sua
cidade natal: Cordisburgo.
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O ambiente rural vem, há muito tempo,
fornecendo material para nossa literatura. No Romantismo, Alencar, Taunay e Bernardo
Guimarães produziram narrativas em que o homem e o espaço sertanejos são idealizados,
em oposição ao homem da corte. Durante o Realismo/Naturalismo, Domingos Olímpio e
Manuel de Oliveira Paiva debruçaram-se sobre o sertão, agora para revelar aspectos
ignorados pelos românticos. No Pré-Modernismo, a realidade rural transformou-se em
matéria literária para Euclides da Cunha, Monteiro Lobato e Simões Lopes Neto. A
década de 1930 marca o surgimento do romance do Nordeste, com Graciliano Ramos e Rachel
de Queiroz, entre outros. Guimarães Rosa retoma a temática e a modifica radicalmente. E
quais são essas modificações radicais?
Os demais regionalistas incorporavam termos
regionais ao texto literário. Guimarães Rosa recria a linguagem regional de forma
extremamente elaborada. Baseando-se na linguagem da região em que "ocorrem" as
histórias narradas, o autor cria palavras novas, recupera o significado de outras,
empresta termos de línguas estrangeiras, estabelece relações sintáticas
surpreendentes.
Na obra de Guimarães Rosa, o sertão não vai
se limitar ao espaço geográfico, mas simboliza o próprio universo. Como afirma
Riobaldo, personagem de Grande sertão: veredas: "O senhor tolere, isto é o sertão.
Uns querem que não seja: que situado sertão é por os campos-gerais a fora a dentro,
eles dizem (...) O sertão está em toda a parte."
O sertão criado por Guimarães Rosa é uma
realidade geográfica, social, política, mas também é uma realidade psicológica e
metafísica. Nesse espaço (sertão-mundo), o sertanejo não é apenas o homem de uma
região e de uma época específicas, mas homem universal defrontando-se com problemas
eternos: o bem e o mal; o amor; a violência; a existência ou não de Deus e do Diabo
etc. Daí classificar-se seu regionalismo como regionalismo universalista.
Quanto ao processo narrativo, geralmente suas
histórias (ou estórias, como queria Rosa) concentram-se em torno de "casos"
que sustentam os enredos. Grande sertão: veredas provocou impacto sem precedentes em
nossa literatura. Quando foi lançada a obra, percebeu-se que estava ali algo diferente de
tudo o que até então se fizera em nossa literatura. Guimarães Rosa tinha levado a
efeito a mais radical experimentação lingüistica pela qual passara o romance
brasileiro. Como um imenso caleidoscópio constituído de casos, histórias curtas,
páginas de diário, anedotas, a obra sustenta-se numa narrativa relativamente fácil que
pode ser assim resumida:
Riobaldo, agora já velho e fazendeiro na
região do rio São Francisco, relata, sem obedecer à ordem cronológica, a uma
personagem não identificada, sua trajetória de jagunço no norte de Minas e sul da
Bahia; trajetória repleta de aventuras, que culminou com a obtenção do posto de chefe
do bando. Conquistada essa situação, Riobaldo define sua mais importante empreitada:
destruir Hermógenes - o líder do bando inimigo -, responsável pelo assassinato de Joca
Ramiro, ex-chefe dos jagunços e, como se saberá no final, pai de Reinaldo/Diadorim. Para
alcançar seu intento, Riobaldo teria feito um pacto com o Diabo, a quem tinha oferecido a
alma em troca do sucesso na travessia do Liso do Sussuarão - região que não concedia
passagem a gente viva -, e que teria de ser cruzada para o confronto com o adversário.
Alguns estudiosos vêem semelhança entre essa
obra e uma novela de cavalaria. A travessia, palavra-chave em Grande sertão: veredas,
representa o obstáculo a ser superado pelo "cavaleiro" (jagunço) e que dará
sentido à sua existência. Paralelamente a essas aventuras e indagações metafísicas,
tem lugar a forte atração (correspondida) que o narrador-personagem começa a sentir por
Reinaldo, um dos jagunços do grupo, que Riobaldo trata de Diadorim. Naquele universo, uma
atração dessa ordem fatalmente despertaria enormes conflitos em Riobaldo. Efetuada a
travessia do Liso, ocorreu o combate em que o grupo de Riobaldo venceu o bando inimigo.
Sucedeu também a morte de Reinaldo/Diadorim e, em seguida, a chocante cena em que
Riobaldo assiste à preparação do corpo de Diadorim para o enterramento.
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